Embora viajar para Antártica sempre tenha sido um sonho, não tive tempo de planejar minha ida a um dos lugares menos explorados do nosso planeta.
Foi tudo muito rápido e, quando percebi, estava embarcando em um veleiro de 70 pés rumo a um dos confins mais gelados e inóspitos da terra.
Sob o comando do jovem capitão Charlie Flesh pela segunda vez, o Fernande iniciava sua 17ª jornada pelos mares do sul. Grandes geleiras, icebergs, baleias, pinguins e até um bar ucraniano aguardavam os 12 aventureiros na expedição Homo Zarpiens.
O grande temor de muitos viajantes que encaram essa aventura é a travessia pela passagem de Drake, zona conhecida pelas piores condições meteorológicas marítimas do mundo.
Da saída de Ushuaia, cidade localizada no extremo sul da Patagônia Argentina, até a ponta da Península Antártica, foram quatro dias velejando.
É preciso dizer que passar mal durante essa parte da viagem é comum entre aqueles que não estão acostumados a navegar, mas algo possível de superar.
A expectativa de avistar o primeiro iceberg ou pedaço de terra é compartilhada por todos. A sensação de estar no meio do oceano é incrível.
Em 21 dias de viagem, 11 deles explorando os mais belos lugares da península antártica, nenhum dia deixa de surpreender.
A nossa primeira parada foi na Ilha Decepção, que não faz jus ao nome, pois em nada decepciona.
A ilha, um vulcão ativo, serviu como abrigo na nossa primeira noite. Atracamos o veleiro Fernande e tivemos a chance de caminhar um pouco em terra firme. Dos 12 navegantes, 10 pisavam na Antártica pela primeira vez.
60 mil pinguins
Mas o melhor da Ilha Decepção estava reservado para o dia seguinte, quando visitamos o outro lado para conhecer uma colônia de pinguins-de-barbicha.
Cerca de 60 mil pinguins habitam aquela terra e a experiência de caminhar pertinho deles é algo que ninguém esquece.
O cenário montanhoso contrasta com a ideia de que na Antártica há somente gelo. Respeitando o espaço dos pinguins, foi possível passar seis horas explorando a ilha, onde também encontramos focas e muitas aves.
Os dias seguiam com as velas do Fernande nos levando cada vez mais ao sul. A paisagem começou a se aproximar mais daquilo que a maioria espera do continente antártico: muita neve e gelo.
Em uma das paradas, na Enterprise Island, atracamos o veleiro a uma embarcação encalhada. O Governoren, um barco norueguês usado no passado na caça e extração de óleo de baleias (prática proibida atualmente), carrega em seu metal enferrujado a história de um incêndio que o destruiu completamente em 1915. Os 85 marinheiros se salvaram.
Icebergs
A viagem pela península Antártica é tranquila. Diferente da passagem de Drake, o mar pela região se assemelha a um grande lago, o que torna a jornada mais agradável.
Com o passar dos dias, comer e dormir dentro do barco se torna algo comum, assim como lidar com o frio. O verão nos presenteia com dias longos nessa parte do mundo e uma das coisas a se fazer é conhecer os demais viajantes.
Éramos uma mistura interessante, reunindo Brasil, Argentina, Irlanda, Portugal e Eslováquia. E se havia momentos de comunhão, também era possível desfrutar da solidão.
Quando chegamos a Cuverville, a quantidade de icebergs impressionou. E decidi que aproveitaria um dia de caminhada e fotografia quando estivesse em terra firme. Viajar de veleiro com um grupo pequeno permitia.
Pinguins-papua pelo caminho e uma infinidade de geleiras e icebergs para admirar. O céu colaborou e, sem nuvens, deixou tudo ainda mais azul.
Baleia brincalhona
Era difícil acreditar que a Antártica pudesse nos surpreender mais, mas a natureza jamais deve ser subestimada.
Ao atravessar o Canal Lemaire, que se encontra entre montanhas cobertas de gelo, a atenção da tripulação era redobrada, pois havia muitos pedaços soltos para desviar.
Era necessário preservar nossa casa e transporte naquele lugar inóspito. Estávamos em velocidade tão baixa, quase parando, quando uma baleia-minke se aproximou e começou a brincar conosco.
A palavra é essa mesmo: brincar. A jovem baleia ficou passando de um lado para o outro por baixo do barco, se exibindo e jorrando água.
Nesse pequeno espaço de tempo ainda vimos um desprendimento acontecer em uma das paredes de gelo. Inesquecível.
E como as surpresas parecem não ter fim, chegar ao fim do Canal Lemaire nos levou ao que considero o ponto alto de toda a viagem.
Chegamos ao conhecido Cemitério de Icebergs, local onde pedaços de gelo gigantes impressionam também por suas diferentes formas.
Com o barco semi rígido que usamos para descer do veleiro e desembarcar em cada lugar, fizemos um pequeno tour entre os icebergs.
A água gelada remetia ao Caribe de tão transparente. Focas curiosas davam as caras. Aquele cenário impressionante tinha como obra mais imponente um iceberg que se assemelhava a um castelo.
Um bar improvável
O fim da nossa viagem pela Antártica se aproximava. Em nossos últimos dias, conhecemos a base de Vernadsky, que abriga um bar no qual apenas vodka é servida.
Qualquer outra bebida os visitantes precisam levar, mas isso não é nada perto da hospitalidade dos cientistas ucranianos que nos mostram a base.
Ainda rola uma partida de sinuca ao estilo russo e muitas risadas, como em qualquer bar, mesmo no boteco mais austral do mundo.
A despedida de terra firme aconteceria em outra base. Port Lockroy, de domínio inglês, hoje funciona como museu e tem até loja de presentes para quem quiser levar uma recordação antártica.
Na pequena ilha rodeada por montanhas cobertas de neve, mais pinguins-papua. Antes de seguir viagem, aproveitei o belo dia para me jogar nas águas geladas da Antártica. Não fiquei muitos segundos ali dentro.
O frio não deixou, mas valeu a pena. Cinco dias de viagem nos afastavam de Ushuaia. A aventura chegava ao fim. As recordações, porém, são para sempre.
Informação complementar
Quando viajar? Sempre na chamada temporada de verão (outubro a março).
Quais as opções? Veleiros, barcos de expedição e cruzeiros.
Onde dormir? Na própria embarcação.
Onde comer? Os pacotes normalmente já incluem alimentação, feita na embarcação.